quinta-feira, 10 de outubro de 2013

“Poder de Polícia e Segurança Nacional” – Helly Lopes Meirelles

Textos Livres #2 – “Poder de Polícia e Segurança Nacional” – Helly Lopes Meirelles
Universidade de São Paulo
Faculdade de Direito – FDUSP
Seminário – Ditadura Militar – Paulo Henrique de Oliveira Marçaioli
“Poder de Polícia e Segurança Nacional”
Visão Panorâmica da Conferência Proferida Por Hely Lopes Meirelles na Escola Superior de Guerra em maio de 1972
H. L. Meirelles abordará o tema da segurança nacional, partindo, antes, de algumas considerações antecedentes, referentes à noção de Estado e seus respectivos Poderes; as particularidades do poder de polícia; o limites do poder de polícia; as noções jurídico-legal, doutrinárias e jurisprudenciais da Segurança Nacional bem como os seus meios de efetivação (órgãos de Segurança Nacional e Normas de Segurança Nacional.
De forma bastante sintética, o autor define Estado como um conjunto orgânico de Território, Povo, Soberania e Governo. Para o atendimento de seus fins – delineados na constituição de então – o estado possui poder, ou seja, capacidade de decidir e impor a decisão aos seus destinatários.
Surgem então as diversas espécies dos poderes administrativos: (i) o poder vinculado ou regrado que é aquele que o direito positivo confere ao administrador público para a prática de ato de sua competência; (ii) poder discricionário, não se confundindo, na perspectiva do autor, com “arbitrariedade” – discricionariedade é liberdade de ação administrativa dentro dos limites permitidos em lei e arbitrariedade é ação contrária ou excedente da lei. (Fala-se aqui do princípio da legalidade ainda edificante no âmbito do Direito administrativo); (iii) Poder hierárquico em que o Executivo pode distribuir ou escalonar as funções de seus órgãos de serviços, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores; (iv) poder disciplinar correspondendo ao direito potestativo pela administração pública de reprimir as infrações funcionais; (v) o poder regulamentar de quem dispõem especificamente os chefes do executivo federal, estadual e municipal de explicar a lei para a sua correta execução.
Finalmente, H. L. Meirelles discorrerá com maior atenção quanto à espécie específica do poder de polícia, na medida em que tal prerrogativa se coloca como meio instrumental para a consecução do objetivo da Segurança Nacional. Segundo o professor de Direito Administrativo, o poder de polícia é “a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública em Geral para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. Em outras palavras, trata-se de mecanismo para conter supostos “abusos “ do direito individual em detrimento de outro suposto interesse social (certamente, os critérios sobre o que são tais interesses são fruto de resolução política e só pode ser entendido, na perspectiva histórica, levando em consideração os significado de uma ditadura militar anti-comunista num país semi-periférico e no âmbito da guerra fria).
H.M. Lopes apresenta como limites dos poderes de polícia administrativa, o que é interessante no sentido de compararmos a abrangência, a extensão e os limites do poder de polícia do regime militar quando comparados com as funções do instituto já no âmbito do próprio regime democrático pós-1988. O próprio doutrinador admitia naqueles anos de meados da década de 1970 que a “a extenção do poder de polícia é hoje muito ampla, abrangendo desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, censura de filmes e espetáculos públicos, o controle das publicações , a segurança das construções e dos transportes, a manutenção da ordem pública em geral, até à Segurança Nacional em particular”. E conclui o doutrinador: “onde houver interesse relevante da comunidade ou da Nação, deve haver correlativamente, igual poder de polícia para a proteção desse público. É a regra sem exceção”. Nesta passagem, é possível fazer dois destaques: em primeiro lugar a indeterminação dos conceitos de “moral” e “bons costumes”, o que, na história do regime militar, serviu de base para a sistemática prática de censura de distintas expressões artísticas (música, teatro, cinema, jornalismo e literatura) tornando duvidosa a compatibilidade do instituto jurídico do pode de polícia no âmbito da Ditadura Militar com uma efetiva concretização da democracia no que se refere à liberdade de expressão. Um outro destaque a ser feito: ao falar que o poder de polícia atua no interesse da proteção do interesse público, tal definição formal não responde ao que se entende como interesse público e talvez mais importante, quem define o que é o interesse público.
A ausência de eleições diretas, a falta de direitos políticos referentes à organização em partidos, além da dura repressão às organizações de esquerda (incluindo aquelas que não optaram pela luta armada como o Partido Comunista Brasileiro) fazem como que se torne bastante questionável a própria legitimidade do que o regime de governo e administrativo entendiam como “interesses da sociedade”.  Seja como for, H. L. Meirelles lembra que eventuais abusos sempre ficam sujeitos à invalidação pelo Poder Judiciário quando praticado com excesso ou desvio de poder”.

Karl Marx em seu “18 de Brumário”, quando analise a história política francesa, da eleição ao golpe de estado de Luís Bonaparte em meados do séc. XIX, legou aos historiadores e em particular à história das ideias, algumas lições duradouras. Uma delas é a de que o intérprete do passado não deve análise os fatos e os sujeitos do passado a partir da noção que eles próprios faziam de si. “A prática é o critério da verdade”, de forma que a análise crítica deve ir além da auto percepção dos agentes do passado com relação à sua intervenção na história, mas ao que de fato ocorreu, o que de fato foi feito e qual foram os sentidos/significados desta resultante histórica. Esta lição deve ser observada quando analisamos as fontes de 1º Grau, como é o caso do pronunciamento de H. L. Meirelles. É facilmente perceptível o esforço do autor em legitimar o estado de exceção decorrente do regime imposto pelo Golpe Militar de 1964 como um suposto modelo de governo voltado à defesa dos interesses da “maioria”, da “ordem pública” e da “soberania nacional”. No que tange especificamente a soberania nacional, as comparações do nosso modelo jurídico com os modelos norte-americanos e da Inglaterra certamente se encaixam neste esforço de legitimação. De toda forma, há de se perceber que uma parcela significativa da retórica e dos institutos jurídicos envolvidos naquele regime de exceção (poder de polícia, poder disciplinar, etc.), não só sobreviveram à redemocratização de 1988, como ainda são reproduzidos. O questionamento a ser feito aqui é: seria tal fato uma evidência de resquício do autoritarismo da ditadura militar ainda no âmbito do direito administrativo contemporâneo? Qual é a razão pela qual pouco mudou no que se refere à significação dos institutos jurídicos durante e após a ditadura?      

Nenhum comentário:

Postar um comentário