Textos
Livres #2 – “Poder de Polícia e Segurança Nacional” – Helly Lopes Meirelles
Universidade
de São Paulo
Faculdade
de Direito – FDUSP
Seminário
– Ditadura Militar – Paulo Henrique de Oliveira Marçaioli
“Poder
de Polícia e Segurança Nacional”
Visão
Panorâmica da Conferência Proferida Por Hely Lopes Meirelles na Escola Superior
de Guerra em maio de 1972
H.
L. Meirelles abordará o tema da segurança nacional, partindo, antes, de algumas
considerações antecedentes, referentes à noção de Estado e seus respectivos
Poderes; as particularidades do poder de polícia; o limites do poder de
polícia; as noções jurídico-legal, doutrinárias e jurisprudenciais da Segurança
Nacional bem como os seus meios de efetivação (órgãos de Segurança Nacional e
Normas de Segurança Nacional.
De
forma bastante sintética, o autor define Estado como um conjunto orgânico de
Território, Povo, Soberania e Governo. Para o atendimento de seus fins –
delineados na constituição de então – o estado possui poder, ou seja,
capacidade de decidir e impor a decisão aos seus destinatários.
Surgem
então as diversas espécies dos poderes administrativos: (i) o poder vinculado
ou regrado que é aquele que o direito positivo confere ao administrador público
para a prática de ato de sua competência; (ii) poder discricionário, não se
confundindo, na perspectiva do autor, com “arbitrariedade” – discricionariedade
é liberdade de ação administrativa dentro dos limites permitidos em lei e
arbitrariedade é ação contrária ou excedente da lei. (Fala-se aqui do princípio
da legalidade ainda edificante no âmbito do Direito administrativo); (iii)
Poder hierárquico em que o Executivo pode distribuir ou escalonar as funções de
seus órgãos de serviços, estabelecendo a relação de subordinação entre os
servidores; (iv) poder disciplinar correspondendo ao direito potestativo pela
administração pública de reprimir as infrações funcionais; (v) o poder
regulamentar de quem dispõem especificamente os chefes do executivo federal,
estadual e municipal de explicar a lei para a sua correta execução.
Finalmente,
H. L. Meirelles discorrerá com maior atenção quanto à espécie específica do
poder de polícia, na medida em que tal prerrogativa se coloca como meio
instrumental para a consecução do objetivo da Segurança Nacional. Segundo o
professor de Direito Administrativo, o poder de polícia é “a faculdade
discricionária de que dispõe a Administração Pública em Geral para condicionar
e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais em benefício da
coletividade ou do próprio Estado”. Em outras palavras, trata-se de mecanismo
para conter supostos “abusos “ do direito individual em detrimento de outro
suposto interesse social (certamente, os critérios sobre o que são tais
interesses são fruto de resolução política e só pode ser entendido, na
perspectiva histórica, levando em consideração os significado de uma ditadura
militar anti-comunista num país semi-periférico e no âmbito da guerra fria).
H.M.
Lopes apresenta como limites dos poderes de polícia administrativa, o que é
interessante no sentido de compararmos a abrangência, a extensão e os limites
do poder de polícia do regime militar quando comparados com as funções do
instituto já no âmbito do próprio regime democrático pós-1988. O próprio
doutrinador admitia naqueles anos de meados da década de 1970 que a “a extenção
do poder de polícia é hoje muito ampla, abrangendo desde a proteção à moral e
aos bons costumes, a preservação da saúde pública, censura de filmes e
espetáculos públicos, o controle das publicações , a segurança das construções
e dos transportes, a manutenção da ordem pública em geral, até à Segurança
Nacional em particular”. E conclui o doutrinador: “onde houver interesse
relevante da comunidade ou da Nação, deve haver correlativamente, igual poder
de polícia para a proteção desse público. É a regra sem exceção”. Nesta
passagem, é possível fazer dois destaques: em primeiro lugar a indeterminação
dos conceitos de “moral” e “bons costumes”, o que, na história do regime
militar, serviu de base para a sistemática prática de censura de distintas
expressões artísticas (música, teatro, cinema, jornalismo e literatura)
tornando duvidosa a compatibilidade do instituto jurídico do pode de polícia no
âmbito da Ditadura Militar com uma efetiva concretização da democracia no que
se refere à liberdade de expressão. Um outro destaque a ser feito: ao falar que
o poder de polícia atua no interesse da proteção do interesse público, tal
definição formal não responde ao que se entende como interesse público e talvez
mais importante, quem define o que é o interesse público.
A
ausência de eleições diretas, a falta de direitos políticos referentes à
organização em partidos, além da dura repressão às organizações de esquerda
(incluindo aquelas que não optaram pela luta armada como o Partido Comunista
Brasileiro) fazem como que se torne bastante questionável a própria
legitimidade do que o regime de governo e administrativo entendiam como “interesses
da sociedade”. Seja como for, H. L.
Meirelles lembra que eventuais abusos sempre ficam sujeitos à invalidação pelo
Poder Judiciário quando praticado com excesso ou desvio de poder”.
Karl
Marx em seu “18 de Brumário”, quando analise a história política francesa, da
eleição ao golpe de estado de Luís Bonaparte em meados do séc. XIX, legou aos
historiadores e em particular à história das ideias, algumas lições duradouras.
Uma delas é a de que o intérprete do passado não deve análise os fatos e os
sujeitos do passado a partir da noção que eles próprios faziam de si. “A
prática é o critério da verdade”, de forma que a análise crítica deve ir além
da auto percepção dos agentes do passado com relação à sua intervenção na
história, mas ao que de fato ocorreu, o que de fato foi feito e qual foram os
sentidos/significados desta resultante histórica. Esta lição deve ser observada
quando analisamos as fontes de 1º Grau, como é o caso do pronunciamento de H.
L. Meirelles. É facilmente perceptível o esforço do autor em legitimar o estado
de exceção decorrente do regime imposto pelo Golpe Militar de 1964 como um
suposto modelo de governo voltado à defesa dos interesses da “maioria”, da “ordem
pública” e da “soberania nacional”. No que tange especificamente a soberania
nacional, as comparações do nosso modelo jurídico com os modelos
norte-americanos e da Inglaterra certamente se encaixam neste esforço de
legitimação. De toda forma, há de se perceber que uma parcela significativa da
retórica e dos institutos jurídicos envolvidos naquele regime de exceção (poder
de polícia, poder disciplinar, etc.), não só sobreviveram à redemocratização de
1988, como ainda são reproduzidos. O questionamento a ser feito aqui é: seria
tal fato uma evidência de resquício do autoritarismo da ditadura militar ainda
no âmbito do direito administrativo contemporâneo? Qual é a razão pela qual
pouco mudou no que se refere à significação dos institutos jurídicos durante e
após a ditadura?
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