quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Eleições XI de Agosto - 2013

Textos Livres #3 - "Por que a esquerda revolucionária deve votar no Canto Geral para as eleições do Centro Acadêmico XI de Agosto da FDUSP?"

Por que a esquerda revolucionária deve votar na chapa CANTO GERAL para as eleições do centro acadêmico XI de Agosto?
Via de regra, o espaço de disputa eleitoral costuma ser desfavorável à esquerda, em particular à esquerda revolucionária. No âmbito das eleições para o executivo e legislativo, o poder econômico financiando campanhas milionárias e a concentração da mídia nas mãos de pequenos grupos familiares com ligações partidárias mais ou menos explícitas tornam praticamente inviáveis candidaturas independentes e autônomas. Mesmo a legislação eleitoral dificulta a situação de partidos que não contam com os recursos das grandes campanhas, como, por exemplo, a divisão de tempo da propaganda eleitoral na TV e rádio. Ainda assim, a esquerda revolucionária deve participar das eleições para fazer agitação e propaganda de deu programa e efetivamente disputar espaços institucionais que devem ser convertidos em novas “trincheiras da luta de classes”, a serviço da luta dos trabalhadores e dos movimentos sociais/populares. Ainda que de forma deformada, o terreno eleitoral expressa a corelação de forças políticas na sociedade, não devendo ser descartado como “princípio”, conforme as distintas frações do anarquismo.
No que se refere às eleições para o XI de Agosto da Faculdade de Direito da USP, a corelação de forças também nos é particularmente desfavorável. Esta faculdade foi fundada em 1827 com o objetivo de formar os quadros políticos e intelectuais da classe dominante brasileira, até então egressa de Coimbra. A classe dominante de então correspondia aos donos de terras que tinham seu poderio econômico apoiado no latifúndio e na escravidão. Os filhos desta elite agrária estudavam nas escolas de direito de São Paulo e Recife para depois galgarem postos como deputados, prefeitos, presidentes de províncias, magistrado, chefes de polícia ou mesmo presidentes da república. E assim foi ao longo do tempo, bastando fazer uma rápida pesquisa dentre os antigos presidentes do XI de Agosto para se aferir que boa parte seguiu alguma carreira parlamentar, sendo certo que a FDUSP continua sendo uma escola formadora de quadros políticos da burguesia nacional.
A esta particularidade da faculdade e do XI de Agosto combina-se outro elemento: trata-se provavelmente do centro acadêmico com mais recursos financeiros do país. É portanto uma entidade com relevo institucional, histórico e financeiro e a disputa de sua direção envolverá sempre setores/indivíduos que buscam o prestígio particular do aparato de forma a se credenciar posteriormente como candidatos à cargo parlamentares ou burocráticos, dentro do estado ou mesmo no interior de seu respectivo partido político.
Dado este quadro geral, a pergunta “Por que votar no Canto Geral?” deve ser precedida pela questão “Por que disputar o XI? Por que é importante uma vitória de uma chapa de esquerda para o XI de Agosto?”.
Entendemos que o papel de uma gestão de esquerda no XI de Agosto é servir-se de todo o peso institucional além dos recursos materiais disponíveis para fazer com que a entidade seja um ponto de apoio seguro da luta dos trabalhadores e dos movimentos populares, dentro e fora da universidade. Avançar no sentido de construir uma entidade não meramente “representativa”, mas participativa e militante, aberta, democrática e horizontal, com uma política voltada à transformação da universidade e da sociedade, o que só é possível a partir da aliança operário-estudantil, buscando somar forças junto aos trabalhadores para reverter a atual estrutura de poder anti-democrática na universidade, lutar contra todos os processos administrativos contra estudantes e trabalhadores que se mobilizaram desde a ocupação da reitoria de 2011, contra a violência policial dentro e fora da universidade (fim do convênio com USP-PM), pelo fim do vestibular e por uma universidade voltada aos interesses populares.
Para ilustrar, o último fato político relevante na faculdade foi a remoção de trabalhadoras terceirizadas da limpeza. Esta remoção foi uma retaliação por terem relatado a funcionários ligados ao Sintusp a falta de pagamento de verbas trabalhistas. A remoção das trabalhadoras terceirizadas foi uma brutal agressão ao direito elementar e democrático de organização dos trabalhadores. Para agravar a situação, os funcionários, incluindo um diretor do Sintusp, correm o risco de sofrer retaliação por processo administrativo sob a esdrúxula alegação de “Assédio Moral”. É importante lembrar que esta situação de precarização das relações de trabalho combinada com a repressão não é nova na universidade. O dirigente do Sintusp Claudionor Brandão, funcionário da universidade e gozando da estabilidade no emprego na condição de dirigente sindical, foi eliminado dos quadros da USP por apoiar uma mobilização de terceirizados. O fato é que a atual gestão do XI de Agosto (Movimento Resgate Arcadas) não moveu uma palha para defender estes trabalhadores sendo certo que o peso institucional e o auxílio direto da entidade poderia ter contribuído para reverter as remoções, acabar com a perseguição contra os companheiros do Sintusp e iniciar uma campanha massiva contra a terceirização e pela efetivação dos terceirizados, sem concurso público. Se metade da energia militante do grupo Resgate gasta para a realização de festas tivesse sido destinada a resolver o problema do trabalho precarizado na faculdade, já poderíamos ter avançado bastante.   
Contraponto
Excluindo-se portanto o Resgate (direita), restam três opções para a esquerda: o voto na chapa Contraponto (independentes + PT), Canto Geral (independentes + Consulta Popular + PSTU) ou o voto nulo. Ao horizonte estratégico delineado, qual seja, uma gestão do XI Agosto comprometida até o último fio de cabelo com as lutas populares e dos trabalhadores, que mobilize todo o aparato e o peso institucional da entidade para lutar contra a criminalização dos movimentos sociais, prestando não apenas apoio jurídico como mobilizando sua militância para junto com os movimentos irem “às ruas”, participando das ocupações, das greves e dos piquetes, concretizando, na prática, a aliança operário-estudantil, tendo esta estratégia, a pergunta a ser feita é: qual das três opções nos aproxima mais deste horizonte estratégico?
Certamente não serão os governistas do Contraponto que estiveram ano passado fazendo campanha para Fernando Haddad, enquanto a gestão do PT na cidade já acumula: aumento dos preço das passagens, que foi derrotado nas ruas em Junho; proibição e retirada das barracas dos moradores de rua, continuando a política de repressão com apoio da GCM; e realização de TAC para barrar novas ocupações pelos movimentos sociais de moradia. Importante notar que o Contraponto em seus materiais utiliza-se do slogan “Viver é Tomar Partido”. Como buscam se localizar eleitoralmente junto a setores mais à direita, o Contraponto nunca explicita que esta frase saiu da boca de um revolucionário italiano cujas ideias mais foram deturpadas pelo reformismo: Antonio Gramsci. Certamente, viver é tomar partido, e o partido da esquerda revolucionária é o marxismo-leninismo. Agora, o partido dos quadros que dirigem o Contraponto é o PT, o partido que está no poder há 10 anos no país governando a serviço dos banqueiros, das multinacionais e do imperialismo. Da repressão aos operários de Jirau e Belo Monte, aos atuais leilões de petróleo do pré-sal em contradição direta com a soberania do país, o PT e o governismo no movimento estudantil mais nos afasta do que nos aproxima do objetivo estratégico delineado.
Canto Geral ou Voto Nulo?  
Entendemos o Canto Geral como uma ferramenta de frente única da esquerda da FDUSP. Sua composição é heterogênea ao ponto de agregar o Levante Popular (Consulta) e o PSTU, ou ao ponto de haverem no grupo setores alinhados à UNE e setores ligados à Anel. O mais provável é que dentro do grupo coexistam setores mais ou menos reformistas e mais ou menos revolucionários. É bom ressaltar que, diante da ofensiva neoliberal dos últimos 30 anos e com a burocratização e traição dos partidos, sindicatos e organizações mais tradicionais da classe, em todo mundo é possível observar esforços no sentido de construir uma “Nova Esquerda”. Na Grécia este fenômeno chama-se Syriza, na Alemanha, “Die Linke” e na França o NPA (Novo Partido Anticapitalista). Aqui no Brasil, de certo modo o PSOL poderia ser um representante desta “nova esquerda” que corresponde em linhas gerais a partidos “amplos” que reúnem em seu interior reformistas e revolucionários, via de regra, sob hegemonia dos primeiros.  O fato é que estes “Novos Partidos”, pela sua heterogeneidade e pela hegemonia interna do reformismo, não se colocam a altura dos desafios históricos, alimentando mais ilusões em torno do parlamento e do estado burguês, do que efetivamente preparando a classe para a destruição do poder político burguês. Ocorre que uma eleição estudantil tem suas particularidades e é muito diferente das eleições gerais. Como foi adiantado, a esquerda revolucionária está num terreno muito desfavorável dentro da FDUSP. O que é certo é que até o momento a composição heterogênea do “Canto Geral” não tem servido de óbice para o grupo pautar as questões mais fundamentais, como terceirização e precarização do trabalho na universidade, o levante de Junho, a violência policial e debates sobre opressões. O último ato massivo ocorrido em SP no dia 17.10 contou com a exclusiva construção do grupo na faculdade: enquanto os demais partidos panfletavam a carta-programa, o CANTO GERAL foi a única organização que estava distribuindo panfleto chamando as pessoas para o ato. Há dentro do grupo uma preocupação bastante saudável em não personalizar a política, defendendo o modelo colegiado ou até mesmo fazendo com que os textos dos seus jornais não sejam assinados. Ou seja, ainda não temos notícias do processo de burocratização que tem sido uma constante nos chamados partidos da “nova esquerda”, ainda que seja necessário pontuar que tal risco existe e é real.
Em suma, no atual momento, o voto no CANTO GERAL é o que melhor nos aproxima de um XI de Agosto na linha de frente das lutas dentro e fora da universidade. O grupo pode dar um passo adiante assimilando em seus textos e em seus discursos a questão da aliança-operário estudantil, entendendo-a não apenas como um recurso retórico ou como um princípio de boas intenções, mas efetivamente mobilizando sua força militante para unificar a luta junto com os trabalhadores, por outra universidade, radicalmente democrática e por uma nova sociedade, igualitária e livre.   
Paulo Marçaioli – 4º Ano – Direito/USP

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

“Poder de Polícia e Segurança Nacional” – Helly Lopes Meirelles

Textos Livres #2 – “Poder de Polícia e Segurança Nacional” – Helly Lopes Meirelles
Universidade de São Paulo
Faculdade de Direito – FDUSP
Seminário – Ditadura Militar – Paulo Henrique de Oliveira Marçaioli
“Poder de Polícia e Segurança Nacional”
Visão Panorâmica da Conferência Proferida Por Hely Lopes Meirelles na Escola Superior de Guerra em maio de 1972
H. L. Meirelles abordará o tema da segurança nacional, partindo, antes, de algumas considerações antecedentes, referentes à noção de Estado e seus respectivos Poderes; as particularidades do poder de polícia; o limites do poder de polícia; as noções jurídico-legal, doutrinárias e jurisprudenciais da Segurança Nacional bem como os seus meios de efetivação (órgãos de Segurança Nacional e Normas de Segurança Nacional.
De forma bastante sintética, o autor define Estado como um conjunto orgânico de Território, Povo, Soberania e Governo. Para o atendimento de seus fins – delineados na constituição de então – o estado possui poder, ou seja, capacidade de decidir e impor a decisão aos seus destinatários.
Surgem então as diversas espécies dos poderes administrativos: (i) o poder vinculado ou regrado que é aquele que o direito positivo confere ao administrador público para a prática de ato de sua competência; (ii) poder discricionário, não se confundindo, na perspectiva do autor, com “arbitrariedade” – discricionariedade é liberdade de ação administrativa dentro dos limites permitidos em lei e arbitrariedade é ação contrária ou excedente da lei. (Fala-se aqui do princípio da legalidade ainda edificante no âmbito do Direito administrativo); (iii) Poder hierárquico em que o Executivo pode distribuir ou escalonar as funções de seus órgãos de serviços, estabelecendo a relação de subordinação entre os servidores; (iv) poder disciplinar correspondendo ao direito potestativo pela administração pública de reprimir as infrações funcionais; (v) o poder regulamentar de quem dispõem especificamente os chefes do executivo federal, estadual e municipal de explicar a lei para a sua correta execução.
Finalmente, H. L. Meirelles discorrerá com maior atenção quanto à espécie específica do poder de polícia, na medida em que tal prerrogativa se coloca como meio instrumental para a consecução do objetivo da Segurança Nacional. Segundo o professor de Direito Administrativo, o poder de polícia é “a faculdade discricionária de que dispõe a Administração Pública em Geral para condicionar e restringir o uso e gozo de bens ou direitos individuais em benefício da coletividade ou do próprio Estado”. Em outras palavras, trata-se de mecanismo para conter supostos “abusos “ do direito individual em detrimento de outro suposto interesse social (certamente, os critérios sobre o que são tais interesses são fruto de resolução política e só pode ser entendido, na perspectiva histórica, levando em consideração os significado de uma ditadura militar anti-comunista num país semi-periférico e no âmbito da guerra fria).
H.M. Lopes apresenta como limites dos poderes de polícia administrativa, o que é interessante no sentido de compararmos a abrangência, a extensão e os limites do poder de polícia do regime militar quando comparados com as funções do instituto já no âmbito do próprio regime democrático pós-1988. O próprio doutrinador admitia naqueles anos de meados da década de 1970 que a “a extenção do poder de polícia é hoje muito ampla, abrangendo desde a proteção à moral e aos bons costumes, a preservação da saúde pública, censura de filmes e espetáculos públicos, o controle das publicações , a segurança das construções e dos transportes, a manutenção da ordem pública em geral, até à Segurança Nacional em particular”. E conclui o doutrinador: “onde houver interesse relevante da comunidade ou da Nação, deve haver correlativamente, igual poder de polícia para a proteção desse público. É a regra sem exceção”. Nesta passagem, é possível fazer dois destaques: em primeiro lugar a indeterminação dos conceitos de “moral” e “bons costumes”, o que, na história do regime militar, serviu de base para a sistemática prática de censura de distintas expressões artísticas (música, teatro, cinema, jornalismo e literatura) tornando duvidosa a compatibilidade do instituto jurídico do pode de polícia no âmbito da Ditadura Militar com uma efetiva concretização da democracia no que se refere à liberdade de expressão. Um outro destaque a ser feito: ao falar que o poder de polícia atua no interesse da proteção do interesse público, tal definição formal não responde ao que se entende como interesse público e talvez mais importante, quem define o que é o interesse público.
A ausência de eleições diretas, a falta de direitos políticos referentes à organização em partidos, além da dura repressão às organizações de esquerda (incluindo aquelas que não optaram pela luta armada como o Partido Comunista Brasileiro) fazem como que se torne bastante questionável a própria legitimidade do que o regime de governo e administrativo entendiam como “interesses da sociedade”.  Seja como for, H. L. Meirelles lembra que eventuais abusos sempre ficam sujeitos à invalidação pelo Poder Judiciário quando praticado com excesso ou desvio de poder”.

Karl Marx em seu “18 de Brumário”, quando analise a história política francesa, da eleição ao golpe de estado de Luís Bonaparte em meados do séc. XIX, legou aos historiadores e em particular à história das ideias, algumas lições duradouras. Uma delas é a de que o intérprete do passado não deve análise os fatos e os sujeitos do passado a partir da noção que eles próprios faziam de si. “A prática é o critério da verdade”, de forma que a análise crítica deve ir além da auto percepção dos agentes do passado com relação à sua intervenção na história, mas ao que de fato ocorreu, o que de fato foi feito e qual foram os sentidos/significados desta resultante histórica. Esta lição deve ser observada quando analisamos as fontes de 1º Grau, como é o caso do pronunciamento de H. L. Meirelles. É facilmente perceptível o esforço do autor em legitimar o estado de exceção decorrente do regime imposto pelo Golpe Militar de 1964 como um suposto modelo de governo voltado à defesa dos interesses da “maioria”, da “ordem pública” e da “soberania nacional”. No que tange especificamente a soberania nacional, as comparações do nosso modelo jurídico com os modelos norte-americanos e da Inglaterra certamente se encaixam neste esforço de legitimação. De toda forma, há de se perceber que uma parcela significativa da retórica e dos institutos jurídicos envolvidos naquele regime de exceção (poder de polícia, poder disciplinar, etc.), não só sobreviveram à redemocratização de 1988, como ainda são reproduzidos. O questionamento a ser feito aqui é: seria tal fato uma evidência de resquício do autoritarismo da ditadura militar ainda no âmbito do direito administrativo contemporâneo? Qual é a razão pela qual pouco mudou no que se refere à significação dos institutos jurídicos durante e após a ditadura?